Deve existir no mundo algum motivo que justifique o fato de certas coisas aparecerem no meu caminho justo quando decido fugir delas. Só para contextualizar, as últimas semanas foram pra mim um desafio ou se preferir, um teste. Prometi para mim mesmo que seria mais objetivo, mais claro, mais direto. Tentei me comover menos e criticar mais, observar o mundo de uma forma nua e crua, assim como ele é. E garanto a vocês que estava indo bem até um dos meus quase movimentados domingos.
Antes que eu continue, preciso expressar meu amor por domingos. Enquanto as pessoas evitam pensar na chegada de segunda, eu prefiro acreditar nas inúmeras possibilidades que surgirão, torcendo pra que uma delas mude minha vida, pra melhor é claro. Esse domingo foi especial e como eu sempre espero, mudou, mesmo que não tanto, a minha vida. Combinei de sair com alguns amigos e decidi – num daqueles raros, muito raros momentos – ir andando. Esquecendo todo meu sedentarismo segui pelas ruas não muito silenciosas da cidade, o céu brincava com as cores, se despedindo de mansinho, partindo da maneira como chegou, silencioso, apesar da sua beleza gritante.
No meio do caminho algo me chamou atenção, me fazendo diminuir a velocidade dos meus passos, quase os pausando. Um senhor, cabelos brancos, sentado na rua, sujo, com uma barba enorme e um rosto castigado pelas possíveis dores de sua vida. Em suas mãos havia uma gaita que ele levava aos lábios com cuidado. Ouvi, atenciosamente, aquele pobre homem tocar aquele instrumento. Embora eu tenha parado para observar aquilo, o restante das pessoas não parou. O sol não parou. Os cachorros abandonados não pararam. Tudo seguia normal, o que me causou extremo desconforto, afinal, aquilo era lindo.
Da sua gaita velha, dos seus lábios trêmulos e das suas mãos enrugadas eu pude ouvir uma das mais belas canções que já ouvi em minha vida. Não sou técnico, muito menos especialista em música, mas acredito piamente na mensagem que ela transmite, na mudança que ela proporciona a quem se dispõe a ouvi-la e consequentemente, senti-la. Naquele momento eu consegui, mesmo que de uma maneira sombria, ver a história daquele senhor. Ouvi seu sofrimento sufocado, sua mágoa acumulada, seu grito, tão suave, pedindo atenção. Imaginei o que ele passou até chegar ali, não julguei seus atos, apenas tentei pensar no seu passado. Possivelmente muito sofrimento o cercou. Pelo pouco que vivi consigo notar, facilmente, que os maiores pesares surgem do amor. Do excesso ou da falta dele. Talvez fosse o caso daquele senhor.
Não demorei muito ali e não ajudei aquele pobre velho. Não o elogiei. Não deixei algumas moedas para que ele comprasse alguma comida. Ele tinha feito tanto por mim e eu não tinha feito nada por ele. Ao ouvi-lo, consegui sorrir entre lágrimas. Fui triste e feliz ao mesmo tempo. Sem me preocupar com o que as pessoas estariam pensando do meu comportamento, da minha comoção, do meu dentes abertos e rosto molhado. Sorri entre lágrimas, simples assim. Mas segui meu caminho, diferente de como o comecei.
Ao chegar em casa não deixei de pensar naquele senhor. Me culpei por não ter feito nada por ele e pensei em quantas pessoas deixei de retribuir pelo que fizeram comigo. Somos tão mesquinhos, nos preocupamos com nosso próprio ego enquanto tantas pessoas precisam de um aperto de mão, de uma palavra de conforto, de um café quente e um ombro amigo. De todos os meus arrependimentos desse dia, aquele que mais me tirou o sono foi o de não ter pedido para que ele não parasse de tocar sua gaita. De alguma maneira, outros, como eu, poderiam notá-lo e feito por ele aquilo que minha ignorância, timidez, egoísmo ou relaxamento não me permitiu fazer.
Depois daquilo cogitei tocar gaita. Numa tentativa de tentar causar nos outros aquilo que aquele senhor causou em mim. Inútil seria, entretanto, afinal eu não teria a bagagem que ele tinha. Não saberia contar minha história naquelas notas musicais. Inútil seria, entretanto, porque eu, no conforto da minha cama e no calor dos meus amigos, jamais poderia fazer com que as pessoas fizessem aquilo que aquele senhor me fez fazer. Sorrir entre lágrimas.
P.S.: Pra Samantha, minha fiel leitora e uma das primeiras com quem compartilhei o ocorrido. <3
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